O debate sobre o papel do sistema de justiça
criminal nos Estados contemporâneos tem ocupado a atenção de juristas e
cientistas sociais nos últimos anos. A preocupação com as garantias e proteção
aos direitos fundamentais, orientada pelo fortalecimento dos Estados de Direito
e construção de limites racionais ao poder punitivo contrasta com a crescente
pressão por mais eficiência das instâncias responsáveis pela aplicação das
normas penais, muitas vezes difusa e traduzida em demandas de determinados
setores da população, elites políticas ou lobbies, mediada pelo discurso dos
meios de comunicação de massa.
O debate sobre a reforma do processo penal
certamente associa-se a essa discussão, e surge, direta ou indiretamente, como
pano de fundo de questões pontuais sobre a extensão e necessidade de
aprimoramento ou ajuste das legislações processuais em face de mudanças
substantivas dos contextos sociais, culturais e políticos nos quais foram
idealizados os institutos processuais. Como compreender o debate sem a ampla
percepção sobre as dificuldades em modificar as legislações concebidas em
modelos de sociabilidade tão distintos dos atuais?
A reforma processual não é a única frente exposta
nos debates contemporâneos. As demandas por mais punição há muitos anos não
mais se articulam exclusivamente a pressões de determinados grupos elitistas
transmutados em empresários morais. A atipicidade dos novos sujeitos que
assumem o protagonismo nas recentes bandeiras repressoras, e que apostam no uso
crescente do direito penal como instrumento de controle punitivo associa-se à
percepção da pena como instrumento de defesa de minorias, ainda que conscientes
das suas deficiências na reconfiguração de novas arenas de disputas e conflitos
e na dimensão simbólica da definição jurídico-penal de condutas socialmente
reprováveis. Como compreender a complexidade e os desafios do sistema de
justiça criminal se desconsiderados os contextos sociais, culturais e políticos
em que são idealizados, propostos e aplicados os instrumentos normativos?